sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Vamos interpretar Remissão? - Claro Enigma parte 3

Aqui continuamos a série de postagens sobre Claro Enigma de Carlos Drummond de Andrade. Hoje vamos analisar exclusivamente "Remissão"; nas duas postagens anteriores analisamos o título da obra, a epígrafe, o nome do primeiro segmento e, finalmente, o primeiro poema, "Dissolução", confira no link: http://verdeviolinista.blogspot.com/2016/12/vamos-interpretar-dissolucao.html




Na análise os trechos sublinhados têm comentários ao lado, enquanto trechos grifados são analisados ao fim de cada estrofe.


"Remissão" - metapoesia; metalinguagem
Neste poema Drummond apresenta outro tema recorrente no livro: a arte - no caso a poesia - como fuga e única forma de alívio e consolo num mundo sem esperança, em que o eu-lírico encontra-se passivo, apático e inerte. A metapoesia é presente por todo o livro.

Tua memória, pasto de poesia,- da memória se faz a poesia
tua poesia, pasto dos vulgares, 

vão se engastando numa coisa fria 

a que tua chamas: vida, e seus pesares.

Na estrofe o poeta julga sua poesia como vulgar - inútil, efêmera - mas também como sua única forma de consolo 

Mas, pesares de quê ? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares, 

se o que dorme na base da elegia - poesia fúnebre

vai correndo e secando pelos ares,



e nada resta, mesmo, do que escreves 
e te forçou ao exílio das palavras, 

senão contentamento de escrever,

O poeta tem a perspectiva de que na realidade que vive, restou-lhe apenas a poesia, que o alivia e também o isola do mundo real, sensível; com essa afirmação Drummond renega sua história com a poesia social. O verso "e te forçou ao exílio das palavras" também pode ser interpretado como uma retomada da ideia presente em "Dissolução" de que a palavra limita o pensamento, no caso, a poesia pura - como Mallarmé ao afirmar que a poesia perfeita é uma página em branco.

enquanto o tempo, e suas formas breves 
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser ? -escrita também é uma forma de viver a memória, mesmo que de forma efêmera

Na estrofe conclui-se que enquanto o tempo passa o ato de escrever apresenta-se como a misericórdia para o poeta.


A palavra remissão tem os sentidos: 1-ação de perdoar; 2-misericórdia, compaixão; 3-ausência de ação ou energia; intermissão; 4-alívio, consolo; 5-ação ou efeito de remeter, encaminhar a determinado ponto.


Agradecimentos: As professoras Fabiana Vascon e Alessandra Braz Carvalho cujas aulas serviram de base e apoio para estas interpretações.


Espero que essa postagem tenha ajudado e espero que continuem acompanhando essa série, meu único objetivo é ajudar. Não se esqueçam de compartilhar com os amigos e de curtir a página no Facebook!

13 comentários:

  1. Olá Raphael. Ótima análise, me ajudou muito.

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  2. Incrível! Seu trabalho está me ajudando muito com o meu estudo do livro.
    Muito obrigado.

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  3. Me ajudou pra caramba. Obrigado mesmo!

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  4. Com todo respeito, mas eu não concordo que o poeta queira dizer, neste poema, que a Poesia é sua única forma de consolo. Mesmo porque o poema se chama "Remissão", uma alusão ao perdão. Vejo com isso que o poeta, de alguma forma, pede perdão pelo fato de que seus textos não surtiram efeito nem mesmo para que o caos humano não se instituísse. Portanto, afirmar que vê a Poesia como consolo seria contraditório na minha visão. Afinal, ele mesmo afirma que nada resta, nem o que escreve! Então, como seria o consolo para o poeta? Também não vejo como fuga da Poesia social! Vejo como exílio das próprias palavras que ele escreve, como se quisesse pedir desculpas pelo fato de suas palavras não terem surtido efeito, melhora da própria essência humana. Como se ele não tivesse contribuído em nada para a evolução do mundo.

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