segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Vamos interpretar Dissolução? - Claro Enigma Parte 2

Continuando nossa série de postagens que tem como objetivo interpretar, o melhor possível, todos os poemas do livro Claro Enigma de Carlos Drummond de Andrade, hoje faremos análise completa do nome dado à primeira parte do livro e do primeiro poema: "Dissolução". Caso não tenha visto a primeira parte dessa série, confira a análise do título e da epígrafe do livro:http://verdeviolinista.blogspot.com/2016/11/vamos-interpretar-claro-enigma.html



Entre Lobo e Cão: A primeira parte do livro é também a mais extensa e, com exceção de A Máquina do Mundo, a mais complexa de ser interpretada.
O lobo é o animal selvagem, solitário, livre e em seu estado natural; já o cão é a representação da vida em comunidade, da civilização e da consequente prisão. Os animais não são escolhidos ao acaso, pois o poeta procura encontrar-se retornando à essência, ou seja, à forma animal; o lobo, então, é a representação da famosa frase de Thomas Hobbes, "O homem é o lobo do homem", em que o estado natural do ser humano é a crueldade, enquanto o cão é o ideal de Rousseau e seu mito do bom selvagem. Sendo assim entendemos que o poeta, em sua busca pela reconciliação, caminha no limiar entre esses dois estados e esses dois animais, que acabam confundindo-se - muitas vezes - no escuro e no mistério da penumbra (imagem criada com o enigma no título da obra).
O nome também faz referência às constelações de Lupus e Canis Major (símbolos de luz), que além de contrastar com a ideia de lusco-fusco entre os animais, apresentam as imagens celestes e astronômicas que estarão presentes por toda essa primeira parte.


Vamos para os poemas. Na análise os trechos grifados têm seus comentários ao lado da estrofe, enquanto os trechos sublinhados são analisados ao fim das estrofes.


"Dissolução"- o título se apresenta como um jogo com o título da obra: Claro vs. Escuridão.
O tema da dissolução, do esquecimento e da quebra do passado que são apresentados nesse poema estão presentes em todo o livro e acabam formando diversos paradoxos ao longo deste, inserindo o leitor na temática filosófica e metafísica de Claro Enigma.

Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.

Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.
- noite=símbolo da morte

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados


Ambas as estrofes passam a ideia de passividade (braços cruzados) quanto às mudanças e aceitação do fim.


Vázio de quanto amávamos,- há mais problemas no mundo que os meus
mais vasto é o céu.
Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?
- gauche=não identificação com a sociedade
                         - tenho lugar nesses novos tempos?

E nem destaco a minha pele
da confluente escuridão.
- enigma
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.


Estrofe acima marcada pelo pessimismo


E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.
-perda de esperança
                   - chega com a noite que esconde a angústia do dia 

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
- amanhecer
Esta rosa é definitiva,- referência à A Rosa do Povo; rosa=esperança 
ainda que pobre.


As duas estrofes fazem referência ao fim da 2ª Guerra Mundial (agressivo espírito) e o preço pago pela paz, que embora conquistada não é satisfatória. O poeta pergunta-se se essa paz destroçada será perene ou efêmera, ao que conclui que a esperança de paz é definitiva, ainda que fraca e insuficente.


Imaginação, falsa demente, - vocativo
já te desprezo. E tu, palavra. - a realidade é maior
No mundo, perene trânsito,- mundo caótico
calamo-nos. - eu+imaginação? eu+palavra? ou a humanidade?
E sem alma, corpo, és suave.*


Última estrofe cheia de ambiguidades:
E tu, palavra. - é outro vocativo? ou a imaginação é palavra?

*Três sentidos: -sem corpo e sem alma=morte, dissolução.
                        -corpo sem alma=sem sentimentos, sem sofrimentos, existência mais suave.
                        -palavra sem corpo=imaginação, sem prisão, suave.




A palavra dissolução tem os sentidos de: 1-ato ou efeito de dissolver-se; 2-decomposição; 3-deterioração de costumes; 4-extinção da sociedade.

O poema é composto por versos de 4 sílabas poéticas, seguidos por versos de 8 sílabas poéticas; representando, assim, a dissolução da forma do poema.





Agradecimentos: As professoras Fabiana Vascon e Alessandra Braz de Carvalho cujas aulas serviram de base e apoio para estas interpretações.

Espero que essa postagem tenha ajudado e espero que continuem acompanhando essa série, meu único objetivo é ajudar. Não se esqueçam de compartilhar com os amigos e de curtir a página no Facebook!





7 comentários:

  1. Estou estudando para a prova e encontro um aluno que passou pela mão dessas professoras maravilhosas! que coincidência!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo trabalho! Maravilhosas analises, ajudou muito.

    ResponderExcluir
  3. Que análise perfeita! Me ajudou muito! Parabéns e obrigado!

    ResponderExcluir
  4. Arrasaram os autores de tal análise :)

    ResponderExcluir