sábado, 31 de outubro de 2015

Manequim- Um conto de horror




Eu me lembro da primeira vez que vi Ana. Ela sempre fora muito bonita e gostávamos das mesmas coisas, mas nossa relação sempre foi de amizade. Até aquele dia... Naquele dia, quando esperávamos nossas respectivas caronas eu vi sua camiseta branca se grudar ao seu corpo esbelto por conta da chuva... Foi quando vi Ana não como uma garota que era minha amiga, mas como mulher... Percebi que nunca tinha realmente visto Ana, no máximo a tinha olhado... Eu desejei aquele corpo intensamente... Não conseguia parar de pensar em Ana, porém anos se passaram sem que eu tenha dito nada, sou muito tímido. Saímos da escola e entramos na faculdade. Comecei meu curso de medicina e Ana seu curso de publicidade. Nunca disse nada... Até que não aguentei mais! Eu falei para a garota o que sentia por ela! Disse que queria sentir sua pele em meus braços e o aroma doce de seu cabelo! Disse que queria comê-la toda noite até morrer de exaustão. Primeiro ela disse que não queria nada sério no momento... Depois que não queria estragar nossa amizade... Depois ela brigou comigo e me disse para me afastar dela... MAS EU NÃO CONSIGO!!! EU PRECISO DAQUELE CORPO PARA MIM!!!
Quando cheguei em casa, arrasado minha mãe veio me encher o saco... Como eu poderia aguentar aquela voz incessante, aguda e porcina? Como poderia aguentar suas investidas contra minha privacidade? Não consegui aguentar! Mandei-a para longe com alguns palavrões. Mas ainda assim ela insistiu:

- Eu faria qualquer coisa por você meu filho...

Que mulher irritante! Como queria espremer sua cabeça contra o meio-fio da Avenida do Estado... O dia que eu conseguisse alugar uma casa perto da Cidade Universitária seria o dia mais feliz da minha vida! Já estava livre do meu pai, só faltava me livrar da minha mãe... Porém os sonhos poderiam esperar...
Algumas semanas depois encontrei Ana em uma das cafeterias hipsters de Sampa... Com um cara... Ela não me viu, mas eu a vi muito bem... Eu vi o modo como eles se olhavam e o modo como ele a tocava enquanto conversavam... A vagabunda não queria nada serio não é... Entendo... Que grande filha  da puta! Mentirosa! Mas eu ainda teria seu corpo para mim. Eu ainda teria seu corpo para fazer dele o que quisesse! Para tratá-lo como meu manequim, vestindo-o como eu quisesse, movimentando-o como eu quisesse e largando-o onde eu quisesse! Eu estava decidido a estuprá-la e depois matá-la para depois jogar o corpo no Tietê. O cheiro pelo menos seria mascarado...
Entretanto nunca mais vi Ana. Uma vez disseram que Deus não joga dados com o Universo... Mas Ana deu muita sorte... Eu não poderia mais possuí-la para mim! Eu morreria sem tocar naqueles seios e sem beijar aquelas pernas... NÃO!!! Eu beijarei aqueles lábios, nem que seja a última coisa que eu faça!
Mas como?... Ana me escapava como uma enguia escapa das mãos de um pescador... Como eu poderia possuí-la?! Eu teria que... Não... Ainda há outro jeito... Eu vou comê-la.

"Eu fa..."

Ela ainda era bonita e tinha um corpo belo. Com algumas alterações meu manequim poderia se transformar no que eu desejava. Sim! Era isso! Eu só precisava do fator surpresa!
Naquele dia em vez de ir para casa me dirigi à Estação da Luz. Me aproximar dela depois de seu trabalho não apresentava nenhuma dificuldade, mas as distrações da Luz seriam necessárias para aplicar o soro no corpo. Realmente foi tudo muito fácil... Quando sua mente começou a desacelerar e divagar levei-a para o carro e dirigi até minha oficina.
O êxtase que senti quando meu bisturi cortou sua pele... O gozo me invadia ao imaginá-la pronta. Conforme minhas mãos abriam seu corpo e alteravam meu manequim, meu sangue pulsava mais rapidamente... Seu sangue vermelho vertia como um sacrifício para meu destino... Para meu desejo... Sua carne, exposta, me revelava o futuro e a felicidade! E aos poucos meu manequim se moldava...  ATÉ QUE FICOU PRONTO!
Ao acordar mostrei à minha criação sua nova forma. Obviamente foi necessário retirar suas cordas vocais... Os gritos não poderiam impedir minha sina! Os gritos de... da Nova Ana... Os gritos da MINHA Ana não poderiam me atrapalhar... Devo dizer que senti um pouco de culpa ao ver a mulher a minha frente se ver com uma nova forma, mas meu desejo malicioso e obsceno a superou. Eu preferiria ter feito tudo com mais... elegância, mas não hesitei em forçá-la...
Finalmente cumpri minha sina, meu destino! Meu gozo extravasou quando finalmente tive Ana em meus braços! Ainda assim... O corpo era de Ana, mas seu espírito... O modo como ela se contorceu embaixo de mim não foi o modo como sempre imaginara... O cheiro de seu cabelo não era o cheiro que sempre imaginara... A textura de sua pele não era a textura que eu desejava...
Subitamente meu ódio suprimido voltou à tona! Como eu odiava aquela mulher que tentava se passar por Ana! Suas lágrimas banais só aumentaram meu ódio até que com o cinzel que usei para alterar a forma de seu rosto quebrei suas pernas. Os ossos das canelas se dobraram facilmente sob o ferro rígido... O murmúrio dos mudos saiu de sua garganta e minha raiva só aumentou! Com o cinzel de ferro quebrei cada osso de seu corpo, até deixá-la num estado semiconsciente.
Estava na hora de me livrar da massa disforme de mulher que tentava me enganar... Levei o resto do meu manequim até a avenida... Poderia matá-la rapidamente, mas senti que precisava me despedir... Senti que devia isso a ela... Quando acordou seus olhos tomados pela dor fitaram minha alma perguntando o motivo daquilo tudo:

-Você disse que faria qualquer coisa por mim...

Sem hesitar esmaguei sua cabeça contra o meio-fio da Avenida do Estado.

3 comentários:

  1. Caraca moleque, cada dia me impressiono mais, parabéns!

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  3. Que texto forte, mas muito bem escrito. Me arrepiou, me enojou e ainda assim adorei o conto... pode?

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