domingo, 26 de junho de 2016

Crítica Love (ou O Primeiro Pornô Gourmet)




O que é arte? Será que é a representação objetiva do subjetivo? Será que é colocar para fora seus sentimentos? Ou será que é criar novos sentimentos em quem está consumindo essa arte? Arte tem a função de expressar ou criticar algo? Ou será que como disse Oscar Wilde, a arte é a única coisa no mundo que é permitida a inutilidade? Como uma boa pessoa de humanas digo: tudo é arte. Não existe a não-arte. Existe apenas boa arte e arte ruim. A pergunta milionária é: Love é boa arte? Ou é só mais uma peça que se utiliza do choque para prosperar?

Para quem até agora não entendeu nada do que eu disse, Love é um filme de 2015 que se tornou famoso nos grandes festivais por ter cenas de sexo reais e, pasmem, em 3D! O filme do diretor Gaspar Noé é uma produção francesa, mas produzida em inglês, e se diz uma "ode ao amor". Enquanto muitos dizem se tratar de um filme pornô gourmetizado ou enxergam o filme como uma grande peça de mal-gosto, outros vêem uma película no mínimo interessante.

O filme trata da história de Murphy, americano aspirante a cineasta que mora na França, que após anos sem notícias de uma ex-namorada, Electra, recebe uma ligação da mãe da garota, perguntando sobre ela, pois esta desaparecera. Agora já casado e com um filho Murphy começa a relembrar seu relacionamento com o amor da sua vida. O roteiro é, incrivelmente, um dos pontos altos do filme. Contado de forma não linear e com inúmeros flashbacks, o filme explora cada aspecto do relacionamento de Murphy e Electra, desde quando se conheceram, passando pelos seus momentos mais eróticos, até seu derradeiro fim.





A direção e a montagem são muito boas, explorando ângulos bastante ousados (sem malícia, por favor) e com transições muito boas. As cenas do quarto de Murphy, e o modo como este foi alterado com o tempo e com a mudança de seu modo de vida, são os marcadores de tempo. Bastante caótico, mas cheio de uma brutalidade vívida e de posteres de filmes quando namorava Electra; e arrumado, claro e limpo, porém padronizado, em sua nova vida. A fotografia não é marcante, mas faz seu trabalho, assim como a trilha-sonora.

Entretanto as atuações deixam muito a desejar. O elenco não chega a ter a qualidade de um Xvideos, porém é bem fraco. Love é um filme que se sustenta nos personagens e na relação e nos laços entre eles (quase um Boyhood da vida) e o fato, totalmente compreensível, dos atores serem muito inexperientes quebra um pouco a magia do filme. Considerando que este foi o primeiro trabalho de alguns deles até que foram bem competentes. As cenas mais naturais são justamente as de sexo real e explícito, muitas delas feitas de improviso.

A verdadeira estrela do filme, o sexo, é bem mais pontual do que se imaginaria. As cenas são muito bonitas e têm uma certa sensibilidade impressionante. Diferente de O Império dos Sentidos (que também teve algumas cenas de sexo real) em que o sexo e a obsessão eram os protagonistas do filme, aqui as cenas são estreladas pela paixão e pelo amor. O choque causado pelo close no pênis de um japonês machista é muito maior do que o de um ocidental penetrando uma mulher, simplesmente pelo objetivo do filme.





Apesar do roteiro ser muito bom e conseguir retratar uma relação amorosa bastante verossímil, o filme é muito cansativo. São mais de duas horas de filme! Com uma edição boa, meia  hora de filme seria totalmente descartável (coincidentemente 30 minutos em que o diretor tenta brilhar em cena). As atuações medianas e toda a bullshit egocêntrica de Noé fazem sua experiência de 130 minutos parecer uma maratona de O Senhor dos Áneis, sem as cenas de ação. Ah, uma coisa que acho que devo dizer é que eu não vi o filme em 3D. Alguns críticos disseram que esse é um detalhe importante para a experiência sensorial do filme, mas isso eu não posso confirmar.

Love se diz uma "ode ao amor". Se isso quer dizer que é uma representação de uma relação amorosa real, com todas as suas qualidades e suas falhas, seus momentos belos e seus momentos sujos, então o filme realmente entregou o que prometeu. É um filme que se vendeu pela polêmica? SIM! Isso faz o filme ruim? Não sei. 

No fim das contas não sou eu, não é você, não é Oscar Wilde que vai ditar o que é arte. Love é boa arte? Não sei. Se o filme é só uma grande peça de mal gosto isso é um juízo de valor do espectador (que pode muito bem ser discutido). Agora, o que devemos nos perguntar, e essa sim é a pergunta milionária, é se esse filme é motivo para tanta polêmica e alarde. Num mundo de nudes e pornografia gratuita na Internet, ainda existe espaço para o tabu do sexo? Será que não é hipocrisia vaiar um filme que mostra o amor entre duas pessoas e logo em seguida objetificar a mulher? Será que não é falso moralismo se chocar com uma cena de sexo no cinema, mas pensar na mulher como troféu sexual? 

Love é um filme interessante, com alguns aspectos bastante positivos. Entretanto a história do filme com o público é ainda mais interessante, criando reflexões sobre nossa sociedade que deveríamos ter realizado muito tempo atrás. Além disso ainda trás à tona a velha discussão: o que é arte?




Peço desculpas a todos pela ausência aqui no Verde e pela qualidade desse texto, acho que ainda estou me aquecendo para voltar a ativa. Muitas mudanças aconteceram na minha vida e ainda estou digerindo todas as novas informações.

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